domingo, 29 de junho de 2008

Do ódio do tempo

Eu odeio o tempo.
Tempo que não passa.
Passa, tempo!
Porque um dia quero dizer "já passou tanto tempo..."
Então, com a desculpa do tempo, vou fazer de conta que não sinto mais,
e talvez não sinta mesmo.
Corre, tempo!
Acelera o fim da dor,
que não é dor,
que é amor sozinho,
miudinho,
a olhar o ponteiro desse tempo que insiste em protelar.

Dos meus desejos


Meus desejos me sacodem.

Violentos, quase sempre.

E, por serem sempre assim,

não sei lidar com eles.

Talvez até devesse,

já que me ameaçam sempre do mesmo jeito,

mas sou tão miúda diante deles,

que me carregam, esses injustos, para pontos de mim onde nada vejo.

Fico cega de tudo, fico cega de mim.

Só vejo o objeto do meu desejo.

E o medo.

Não do meu desejo ou daquele que desejo,

mas dos assaltos de mim,

pois além de me levarem,

meus desejos me roubam.

Levam meu juízo.

Levam meu sossego e minha confortável alienação.

Deixam inquietude, apenas.

Desequilibrada troca essa, que me viola.

Fosse eu forte e corajosa,

tocava de mim meus desejos.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Bilhetinho para meu bem

Meu bem, sua companhia é macia feito leite morno. Eu te beberia todos os dias, principalmente quando eu busco aquele conforto que só a sua brancura me dá. Corre cá me dar seu colo, um beijo também, e ficar falando baixinho o que ainda vai ser, só para eu ter a garantia de que seu querer 'tá aqui juntim do meu.... Tarda não.




sexta-feira, 6 de junho de 2008

Inverno


Itaperuna é linda no inverno. Às vezes, na maioria das vezes, o inverno não alcança a cidade, mas, quando ele chega, meus dias viram festa e eu agradeço a Deus por acordar e ver a cidade fria e amarela. Talvez ninguém tenha reparado, mas Itaperuna fica amarela no inverno e tudo ganha mais cor porque o sol fica retocando a cidade à distância, como quem não quer nada, e, na verdade, sabe muito bem que há quem vibre diante desse espetáculo de cor.


O trabalho displicente do sol consegue fazer um milagre. A beira-rio, pobrezinha, tão duramente castigada, mas, mesmo assim, tão encantadora a certos olhos, atinge sua magnitude no inverno. Agora, há poucas semanas, um bando de garças deu para ocupar uma árvore tombada sobre o Muriaé, perto da Fundação, e ficar ali, também como quem não quer nada. Na verdade, talvez realmente elas nem tenham se dado conta, mas que grandeza de paisagem constroem na margem do triste rio... O rio fica bonito e nem as casas que avançam sobre suas margens e nem um restinho de lixo que insiste em estragar o prazer dos amantes do quadro conseguem enfeiar a beira-rio quando ela é tocada pelo sol no inverno.


Outra coisa que também gosto de fazer no inverno é observar as pessoas de Itaperuna. Elas procuram se agasalhar e o engraçado é que nem sempre a estação é rigorosa. Minha tese é de que elas querem ficar belas e acompanhar a beleza da cidade quando faz frio – e o trabalho do sol às vezes dura tão pouco.... De manhãzinha, as pessoas correm para o trabalho e eu fico pensando se elas não reparam no espetáculo amarelo.


Há invernos nos quais há noites em que o ar fica gelado, mas eu fico querendo ir lá fora, belamente agasalhada – como todas as pessoas de Itaperuna no inverno -, e andar pela praça da avenida como se fosse invisível e passar pelas pessoas, olhar para elas e ficar imaginando que são pessoas muito normais e com pensamentos muito engraçados e sem muita coragem de mostrar seus diários – como eu.


Itaperuna é linda no inverno. Linda, linda, linda. Pena que me falta tempo para apreciar. Mas um dia, num inverno desses em que Deus fizer mais uma das suas, eu vou sair à noite, no ar gelado e olhar as pessoas. No outro dia, pela manhã, que certamente estará banhada por aquela luz amarela que só achei no inverno de Itaperuna, eu vou tomar coragem e estender uma toalha na beira-rio e ficar apreciando o Muriaé espreguiçar. Igual a algumas pessoas que já encontrei paradas, mesmo fazendo frio, com peso jogado numa das pernas, mãos entrelaçadas para trás, a olhar encantadas para o coitadinho do rio.

terça-feira, 27 de maio de 2008

No espaço público, a verdade não tem dono



Não existe democracia se não houver liberdade de imprensa. A frase mais parece clichê, e para muitos é, de fato, mas, se fizermos um exercício de pensar, talvez ela não nos pareça tão óbvia. A idéia de democracia surge entre os gregos, entre 400 e 300 anos antes de Cristo, tendo como principal característica o acesso de todos os homens livres no debate político. Na ágora, a praça pública grega, os cidadãos opinavam, discutiam, discursavam, avaliavam os argumentos colocados tendo como princípio, como ideal, uma meta nobre: o bem comum. A virtude, para o grego, consistia em manter as paixões, os apetites e os projetos pessoais subjugados a uma ética para a qual a sociedade, o grupo, era o mais importante. A ágora era o espaço público, o lugar de aperfeiçoamento do discurso, o lugar do aprendizado, da conciliação.


Na modernidade, com o projeto iluminista de uma democracia que colocasse de novo no cenário principal o homem, dotado de razão e poder de escolha, após séculos de esquecimento por regimes políticos absolutistas, voltou a figura do cidadão, que, não vivendo mais uma realidade que pudesse ser acessada diretamente, descobriu a função política do jornal, plataforma pela qual escoam e se entrecruzam as idéias. Se a democracia, diferentemente do projeto grego, é, agora, o modelo de um regime representativo, só é possível consentir com a ação dos agentes escolhidos se esse consentimento for consentimento informado. O que eles fazem é da nossa conta, sim. Os bastidores nos interessam, sim.


Infelizmente, assim como a democracia grega desvirtuou-se, o ideal moderno de democracia também. Na contemporaneidade, o que temos é uma democracia fajuta, uma mentira que evocamos quando queremos legitimar a ideologia neoliberal, que nos diz que as coisas são assim mesmo porque assim é melhor para todo mundo, como se o modelo de vida que temos fosse o único possível a seres que tiveram uma história inteira de oportunidades para fazer caminhos diferentes.


É essa mesma ideologia que nos faz confundir interesse individual, sede de poder, com interesse de todos. É essa mesma ideologia que nos faz confundir direito ao voto (na verdade, no Brasil, uma obrigação) com cidadania plena. A mesma ideologia nos faz tomar o artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos ("Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras"), promulgado pela ONU há 60 anos, e hoje tão comemorado, como sendo um fato. O único fato é que ainda estamos lutando por isso, porque ainda nem sabemos o significado de humanidade.


Diversas vezes, sob o discurso do saber, da melhor qualificação ou de uma visão vanguardista, julgamos estar aptos a gerir o bem-comum através da manipulação da opinião pública. E que não leiamos, aqui, "manipulação" sob uma conotação maquiavélica. Porque uns dos escudos dessa ideologia que jaz disfarçada é a mania de perseguição: o inimigo do que procuramos fazer de melhor está em toda parte, e é inimigo esse nosso inimigo porque não nos entende, não nos alcança, não consegue ver além. "São uns ignorantes do projeto", dizemos.


Sim, a sociedade está dividida. Sempre esteve. Não sejamos ingênuos de considerar isso algo ruim, nem de dar aos bois os nomes de "Bem" e "Mal", nem ver os que pensam diferente de nós como inimigos. Seria uma política rasteira, digna dos medíocres. O espaço público existe como lugar de fluxo das idéias e não estamos sabendo usá-lo. O espaço público, hoje, são os meios de comunicação, repletos de simulacros de uma realidade que julgamos lugar da Verdade. Multiplicamos cópias de realidades que criamos em laboratório. Ora, "não existe verdade no singular, longe de toda e qualquer envergadura de discurso. Toda verdade é plural", dizia Carneiro Leão. Como haver construção do bem comum se não há discurso? Se bloqueamos seu fluxo através de uma ditadura que em nada difere da de 37 e da de 64, a não ser pelo fato de que a tortura física e o exílio tornaram-se incomuns – não falemos sobre a tortura moral, sobre o silêncio, sobre a compra das consciências. É uma ditadura filosófica e lingüística, tão violenta quanto, porque torna os homens indignos.


Não sejamos ingênuos de achar que o vivemos hoje é uma democracia. A ágora, hoje diversidade de meios de comunicação, nem existe mais. Temos leis que julgamos justas, mas saibamos diferenciar direito e justiça. Nem digamos que somos iguais perante a Carta, porque não somos. Tenhamos maturidade de enxergar que política não é o que fazemos. E tenhamos também um olhar mais esclarecido para enxergar que quando todos dizem o mesmo e somente são aceitos louvores a tudo o que existe instituído – o sistema político, o comportamento esperado, a fidelidade bestial, o silêncio resignado como sinal de fé em Deus e confiança nos homens – é porque, talvez, seja a hora de uma reflexão ética, que será, quem sabe, capaz de nos dar algumas respostas: quem somos nós e afinal o que estamos fazendo? E não sejamos limitados ao ponto de dizer que filosofia é apenas para desocupados da coisa pública, músicos e poetas.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Caminhos






Aonde me levais, caminhos?

Imaginei-vos claros, retos, objetivos.

Mas vejo-vos errantes e longos demais.

Aonde me levais?

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Amor essencial e amor contingente


Simone de Beauvoir e Jean Paul Sarte tinham um pacto. Viveriam um amor essencial, mas ambos estariam liberados para viver amores contingentes. Amaram-se um ao outro - e amaram muitos outros, também. Até que a morte os separou, como tinha que ser, para ser uma história de amor completinha. Parece-me que não deu tão certo assim, o tempo todo, entretanto. Ela sofreu de ciúmes, que ele tentava aplacar com zelo e muitos cuidados. Ele acompanhou as aventuras dela com um escritor americano, que a chamava de "minha esposa". Juntos, engajaram-se em lutas políticas, embora ela não fosse filiada a partido nenhum. No fim de tudo, ela descreveu em livro a decadência da saúde do filósofo. Uns dizem que por vingança, outros por lealdade ao pacto de sinceridade assinado na juventude entre os dois.
Penso que amores muito intelectualizados, muito abertos, tendem a não dar muito certo. Amor é instinto, é cheiro, é carne, é vontade, é pungente, essencial e contingente ao mesmo tempo, nunca inteligente, nunca pensante. Cupido era um arteiro (e arqueiro, obviamente). Na cama, não dá pra recitar Heiddeger. No máximo, lembrar de suas máximas sobre ser-no-mundo. Mas, entre gemidos e ais, sinceramente, acho que não dá, não... Creio que sejam mais satisfatórios amores sedentos de mãos espalmadas e beijos-de-revirar-o-ventre do que amores intelectualizados.
E sobre amores abertos a outras experiências... Não sei. Existe, claro, o medo da prisão. Mas, dependendo, às vezes, ela nem é tão ruim assim. Quando é opressora, de verdade, manda-se o outro ir passear; nunca se promete, ao contrário, fidelidade ao amor "essencial". Dividir o amor com outra pessoa não me parece ser uma situação muito confortável. Nem justa. Nem legítima. Tudo muito moderno, tudo muito bonito, tudo muito inteligente e desprendido, mas o que funciona é a lei básica. Estou muito errada?

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Eu queria ser mulherzinha


Eu fui criada para ser uma boa menina, mas me saí qualquer coisa diferente disso. Defeito de fabricação. Não fui uma boa menina e nem me tornei uma mulherzinha. Não sei arrumar minha casa. Laila veio ajeitar tudo enquanto eu estava fora e agora eu olho minha casa e não entendo como ela de repente se tornou tão.... feminina. Era para ser uma casa barroca, mas hoje eu cheguei e a casa é a casa de uma mulherzinha, que não sou eu...

A mulherzinha borda, faz combinações, e é tão boa em decorar quanto é de fazer biquinho: ela sabe fazer seu "sim" parecer "não" e seu "não" parecer "sim". A mulherzinha é charmosa. A mulherzinha usa robe floral e muitos vestidos. A mulherzinha tem tempo para tudo. Não que seja uma desocupada, mas ela sabe conciliar e transformar uma hora em mil dias. E sabe distribuir sorrisos e é sempre muito bem resolvida. A mulherzinha é amada.

Meus livros, agora arrumados na prateleira, sempre misturaram-se numa algazarra sem ordem alfabética. Eu não tenho tapetes em casa. Não sei me comportar num primeiro encontro a ponto de garantir um segundo. Tenho um mestrado que talvez eu trocasse por dois filhos lindos. Não uso pulseira nem tenho tatuagem de florzinha no pé. Consegui emagrecer quatro quilos, mas não uso minissaia. Os dias terríveis são apaziguados com incenso, reza e alprazolam. Sou claustrofóbica. A maquiagem dos meus olhos sempre borra após duas horas de uso. Mesmo à prova d'água.

Hoje eu sinto que não tenho virtude alguma, porque não sou mulherzinha. De nada adianta lecionar filosofia, ter pernas bonitas, dirigir, morar sozinha, ter publicação internacional. As mulherzinhas são amáveis, no sentido de que "são passíveis de serem amadas". E por isso são mais felizes que o resto de nós, sem ao menos terem que saber falar francês, inglês e espanhol com fluência. Elas aceitam o amor do jeito que ele lhe vem. E, lógico, o amor não chega para a mulherzinha de qualquer jeito: para ela, ele já chega pronto, nem dá trabalho, porque é perfeito como a unha-à-francesa que ela usa todo dia e que não descasca após o banho. A mulherzinha sempre sabe o que fazer.

Amanhã vou tomar café no centro, depois de resolver o imposto de renda atrasado (mulherzinhas declaram?). Talvez troque as almofadas. Pensei em comprar uma poltrona de leitura e um xale para jogar sobre ela. Hidratar o cabelo, fazer unha, sombrancelha. Amanhã também tenho que lembrar de esquecer que comparações não fazem sentido. As mulherzinhas são mais felizes, e pronto.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Da solidão - Vinícius de Moraes


O poetinha ensina algo para nos tirar da visão de nós mesmos:

"...a maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre." (in Para viver um grande amor - crônicas e poemas)

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Retratação




Mas vinte vinhos não são capazes, hoje, de deixar-me melancólia. Ouvi no carro Maria Rita: "Me abraça e me aperta, me prende em suas pernas." Bom mesmo é estar nas mãos de outrem para partilhar com ele nossa humanidade.

Depois de vinte vinhos

Tenho aprendido que sou e não sou dona de mim. Aprendi a escolher, mas só diante das opções que me são dadas. (Ai, Marx, saia de perto de mim com os ecos do materialismo histórico. XÔÔÔ) As demais circunstâncias, tenho que construí-las, ou esperar que surjam. Nem tudo depende de nós. Estamos também nas mãos dos outros, à mercê de seus sentimentos, desejos e boa (ou má) vontade. A vida é uma alquimia. Sem receita.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Devir

Tudo é devir, dizem os pré-socráticos. Mas as tramas desse processo, que nunca se completa, nos aprisionam. Não somos, por isso, capazes de viver o que é, o agora, o que acontece. Somos angustiados. Nossa memória é curta. Nossas sensações, voláteis. Superficiais. Nem conseguem nos afetar senão de pronto. Queremos o que ainda não é a qualquer custo. Vivemos no futuro. Em função dele. Eu sou devir, mas quero o hoje. Quero tudo o que o hoje me oferece. Intensamente. Ninguém garante que o devir trará o Bem, mas eu confio que sim. Esperemos que sim, façamos o que nos cabe, mas não esqueçamos de mergulhar nessas horas que se esvazem. Quero cada minuto.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

As mulheres de 30 (Mário Prata)


O que mais as espanta é que, de repente, elas percebem que já são balzaquianas. Mas poucas balzacas leram A Mulher de Trinta, de Honoré de Balzac, escrito há mais de 150 anos. Olhe o que ele diz: 'Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis. A mulher jovem tem muitas ilusões, muita inexperiência. Uma nos instrui, a outra quer tudo aprender e acredita ter dito tudo despindo o vestido. (...) Entre elas duas há a distância incomensurável que vai do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de não sê-lo, nada pode satisfazer'.

Madame Bovary, outra francesa trintona, era tão maravilhosa que seu criador chegou a dizer diante dos tribunais: 'Madame Bovary c'est moi'. E a Marilyn Monroe, que fez tudo aquilo entre 30 e 40?

Mas voltemos a nossa mulher de 30, a brasileira-tropicana, aquela que podemos encontrar na frente das escolas pegando os filhos ou num balcão de bar bebendo um chope sozinha. Sim, a mulher de 30 bebe. A mulher de 30 é morena. Quando resolve fazer a besteira de tingir os cabelos de amarelo-hebe passa, automaticamente, a ter 40. E o que mais encanta nas de 30 é que parece que nunca vão perder aquele jeitinho que trouxeram dos 20. Mas, para isso, como elas se preocupam com a barriguinha! A mulher de 30 está para se separar. Ou já se separou.

São raras as mulheres que passam por esta faixa sem terminar um casamento. Em compensação, ainda antes dos 40 elas arrumam o segundo e definitivo. A grande maioria tem dois filhos. Geralmente um casal. As que ainda não tiveram filhos se tornam um perigo, quando estão ali pelos 35. Periga pegarem o primeiro quarentão que encontrarem pela frente. Elas querem casar. Elas talvez não saibam, mas são as mais bonitas das mulheres. Acho até que a idade mínima para concurso de miss deveria ser 30 anos. Desfilam como gazelas, embora eu nunca tenha visto uma (gazela). Sorriem e nos olham com uns olhos claros. Já notou que elas têm olhos claros? E as que usam uns cabelos longos e ondulados e ficam a todo momento jogando as melenas para trás? É de matar. O problema com esta faixa de idade é achar uma que não esteja terminando alguma tese ou TCC. E eu pergunto: existe algo mais excitante do que uma médica de 32 anos, toda de branco, com o estetoscópio balançando no decote de seu jaleco diante daqueles hirtos seios? E mulher de 30 guiando jipe? Covardia. A mulher de 30 ainda não fez plástica. Não precisa. Está com tudo em cima. Ela, ao contrário das de 20, nunca ficou. Quando resolve, vai pra valer. Faz sexo como se fosse a última vez. A mulher de 30 morde, grita, sua como ninguém. Não finge. Mata o homem, tenha ele 20 ou 50. E o hálito, então? É fresco. E os pelinhos nas costas, lá pra baixo, que mais parecem pele de pêssego, como diria o Machado se referindo a Helena, que, infelizmente, nunca chegou aos 30? Mas o que mais me encanta nas mulheres de 30 é a independência. Moram sozinhas e suas casas têm ainda um frescor das de 20 e a maturidade das de 40. Adoram flores e um cachorrinho pequeno. Curtem janelas abertas.

Elas sabem escolher um travesseiro. E amam quem querem, à hora que querem e onde querem. E o mais importante: do jeito que desejam. São fortes as mulheres de 30. E não têm pressa pra nada. Sabem aonde vão chegar. E sempre chegam. Chegam lá atrás, no Balzac: 'A mulher de 30 anos satisfaz tudo'.

Ponto. Pra elas.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

O real e o sonho




Caríssimo,
estou crente que, olhando bem de perto, todo sonho é mentira. Então, pode acontecer de nos convencermos e tomarmos como verdade certos sonhos que fizemos somente para nós mesmos. Sonhos unilaterais. Crenças malditas. Absinto. Ópio. Nó. Sonhos feitos de muitos ais, mas, nem por isso, ruins.
Não estou bem certo que sonho e felicidade estejam, necessariamente, ligados. Pode ser que a mentira promova um estado de felicidade tal que o real não possa nunca oferecer, porque o real nos cerca e nos oprime por todos os lados e estamos às voltas com ele, demasiadamente ocupados para sentir. Mas nem por isso há que se aderir ao sonho, escolhê-lo, abraçá-lo, fazê-lo nosso exílio, refúgio, país estrangeiro, porque o sonho é só sonho, se esvai. E nisso consiste todo o seu mérito. Haveremos apenas de contemplá-lo.
O real, este se vive todos os dias e talvez nos caiba aprender a conviver com ele. Ele é ruim? Ele é bom? Precisa ser ruim ou bom? Não basta apenas ser real, a única coisa palpável que nos é dada? Mas, e o sonho? É possível alcançar outros reais sem sonhar com eles? Os reais sonhados, planeados, são melhores que os reais simplesmente vividos?
Caríssimo, estou em dúvida se todo real é verdade. E não estou bem certo se real e sonho são de fato excludentes, porque não consigo enxergar a linha que os separa. Talvez o ato de escrever esta carta seja só um devaneio, um sonho, a imaginação de um velho que está sentado na frente de casa a olhar a rua vazia. Em alguma medida, ele é real, mas nós, caríssimo, somos nada. Uma lembrança, talvez.

Diário - 19/11/2006


Ver o Bento dormir é assistir a um espetáculo. Ele tem o sono cada vez mais pesado, mas continua se cansando fácil. Pensei que, com o tempo, ele ficaria mais tempo acordado. Eis as cenas do espetáculo: agora, ele dorme debaixo da minha cadeira, na sala de estudos. Tem horas que se espreguiça, sonha, mexe com a boca como se estivesse provando uma comidinha... É delicioso... Agora, ele sai da mesa de estudos para checar a máquina de lavar... Foi deitar perto do colchonete da vovó, que é aconchegante. Eu deitei o "rolo de colchonete" e pus ele em cima, e ele voltou a dormir. E o lugar em que ele estava deitado antes ainda está quentinho...

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Ensaios filosóficos II

Arrisco dizer que o homem descobre a verdade no caminho da compreensão de seu lugar no mundo e no lugar ocupado por todas as outras “coisas”, inclusive pelo théos.

Carneiro Leão - da verdade

"...tudo o que o homem conhece, sente, pensa, sabe ou faz, só se torna realmente significativo, só adquire sentido essencial, se houver possibilidade de conversa e diálogo, na medida em que dele se puder falar a partir de sua linguagem. Não há verdade no singular, fora de toda e qualquer envergadura de discurso. Toda verdade é plural... Enquanto vivermos, pensarmos e agirmos na Terra, só faz sentido o que pudermos falar uns aos outros, o que puder receber um significado na e da linguagem..."

LEÃO, Emannuel Carneiro. Aprendendo a pensar - volume I. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 104

Ensaios filosóficos I

É a im-probabilidade que dá sentido à busca. A filosofia não é feita de respostas acabadas, justamente o contrário, e justamente por muito questionar, ela nos abre um espaço convidativo para este exercício de reflexão. Mas o que, aqui, é im-provável? Ora, que a Verdade e o Homem são os que se apresentam ou os que nos dizem ser. Os enunciados são im-prováveis por de fato não se apresentarem com os devidos selos de garantia. Ainda assim, mereceriam ser testados.

Heidegger - das angústias

"Angustiar-se é descobrir original e diretamente o mundo como mundo. [...] A angústia faz explodir no cerne do Dasein o ser na direção do poder-ser mais autêntico, ou seja, o ser-livre para a liberdade de escolher e de se apoderar de si mesmo".

ADLER, Laure. Nos passos de Hannah Arendt. São Paulo: Record, 2007, p. 67

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Maquiagem

Então, peguei o estojo e, depois de preparar a pele do rosto da mamãe, fui pintar seus olhos. Briguei várias vezes com ela:
- Mãe, não aperta os olhos, está atrapalhando. Assim o pincel não corre direito.
Depois de me falar três vezes que não era de propósito, ela explicou:
- Eu não estou apertando. É que meus olhos já estão flácidos.