quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

As mulheres de 30 (Mário Prata)


O que mais as espanta é que, de repente, elas percebem que já são balzaquianas. Mas poucas balzacas leram A Mulher de Trinta, de Honoré de Balzac, escrito há mais de 150 anos. Olhe o que ele diz: 'Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis. A mulher jovem tem muitas ilusões, muita inexperiência. Uma nos instrui, a outra quer tudo aprender e acredita ter dito tudo despindo o vestido. (...) Entre elas duas há a distância incomensurável que vai do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de não sê-lo, nada pode satisfazer'.

Madame Bovary, outra francesa trintona, era tão maravilhosa que seu criador chegou a dizer diante dos tribunais: 'Madame Bovary c'est moi'. E a Marilyn Monroe, que fez tudo aquilo entre 30 e 40?

Mas voltemos a nossa mulher de 30, a brasileira-tropicana, aquela que podemos encontrar na frente das escolas pegando os filhos ou num balcão de bar bebendo um chope sozinha. Sim, a mulher de 30 bebe. A mulher de 30 é morena. Quando resolve fazer a besteira de tingir os cabelos de amarelo-hebe passa, automaticamente, a ter 40. E o que mais encanta nas de 30 é que parece que nunca vão perder aquele jeitinho que trouxeram dos 20. Mas, para isso, como elas se preocupam com a barriguinha! A mulher de 30 está para se separar. Ou já se separou.

São raras as mulheres que passam por esta faixa sem terminar um casamento. Em compensação, ainda antes dos 40 elas arrumam o segundo e definitivo. A grande maioria tem dois filhos. Geralmente um casal. As que ainda não tiveram filhos se tornam um perigo, quando estão ali pelos 35. Periga pegarem o primeiro quarentão que encontrarem pela frente. Elas querem casar. Elas talvez não saibam, mas são as mais bonitas das mulheres. Acho até que a idade mínima para concurso de miss deveria ser 30 anos. Desfilam como gazelas, embora eu nunca tenha visto uma (gazela). Sorriem e nos olham com uns olhos claros. Já notou que elas têm olhos claros? E as que usam uns cabelos longos e ondulados e ficam a todo momento jogando as melenas para trás? É de matar. O problema com esta faixa de idade é achar uma que não esteja terminando alguma tese ou TCC. E eu pergunto: existe algo mais excitante do que uma médica de 32 anos, toda de branco, com o estetoscópio balançando no decote de seu jaleco diante daqueles hirtos seios? E mulher de 30 guiando jipe? Covardia. A mulher de 30 ainda não fez plástica. Não precisa. Está com tudo em cima. Ela, ao contrário das de 20, nunca ficou. Quando resolve, vai pra valer. Faz sexo como se fosse a última vez. A mulher de 30 morde, grita, sua como ninguém. Não finge. Mata o homem, tenha ele 20 ou 50. E o hálito, então? É fresco. E os pelinhos nas costas, lá pra baixo, que mais parecem pele de pêssego, como diria o Machado se referindo a Helena, que, infelizmente, nunca chegou aos 30? Mas o que mais me encanta nas mulheres de 30 é a independência. Moram sozinhas e suas casas têm ainda um frescor das de 20 e a maturidade das de 40. Adoram flores e um cachorrinho pequeno. Curtem janelas abertas.

Elas sabem escolher um travesseiro. E amam quem querem, à hora que querem e onde querem. E o mais importante: do jeito que desejam. São fortes as mulheres de 30. E não têm pressa pra nada. Sabem aonde vão chegar. E sempre chegam. Chegam lá atrás, no Balzac: 'A mulher de 30 anos satisfaz tudo'.

Ponto. Pra elas.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

O real e o sonho




Caríssimo,
estou crente que, olhando bem de perto, todo sonho é mentira. Então, pode acontecer de nos convencermos e tomarmos como verdade certos sonhos que fizemos somente para nós mesmos. Sonhos unilaterais. Crenças malditas. Absinto. Ópio. Nó. Sonhos feitos de muitos ais, mas, nem por isso, ruins.
Não estou bem certo que sonho e felicidade estejam, necessariamente, ligados. Pode ser que a mentira promova um estado de felicidade tal que o real não possa nunca oferecer, porque o real nos cerca e nos oprime por todos os lados e estamos às voltas com ele, demasiadamente ocupados para sentir. Mas nem por isso há que se aderir ao sonho, escolhê-lo, abraçá-lo, fazê-lo nosso exílio, refúgio, país estrangeiro, porque o sonho é só sonho, se esvai. E nisso consiste todo o seu mérito. Haveremos apenas de contemplá-lo.
O real, este se vive todos os dias e talvez nos caiba aprender a conviver com ele. Ele é ruim? Ele é bom? Precisa ser ruim ou bom? Não basta apenas ser real, a única coisa palpável que nos é dada? Mas, e o sonho? É possível alcançar outros reais sem sonhar com eles? Os reais sonhados, planeados, são melhores que os reais simplesmente vividos?
Caríssimo, estou em dúvida se todo real é verdade. E não estou bem certo se real e sonho são de fato excludentes, porque não consigo enxergar a linha que os separa. Talvez o ato de escrever esta carta seja só um devaneio, um sonho, a imaginação de um velho que está sentado na frente de casa a olhar a rua vazia. Em alguma medida, ele é real, mas nós, caríssimo, somos nada. Uma lembrança, talvez.

Diário - 19/11/2006


Ver o Bento dormir é assistir a um espetáculo. Ele tem o sono cada vez mais pesado, mas continua se cansando fácil. Pensei que, com o tempo, ele ficaria mais tempo acordado. Eis as cenas do espetáculo: agora, ele dorme debaixo da minha cadeira, na sala de estudos. Tem horas que se espreguiça, sonha, mexe com a boca como se estivesse provando uma comidinha... É delicioso... Agora, ele sai da mesa de estudos para checar a máquina de lavar... Foi deitar perto do colchonete da vovó, que é aconchegante. Eu deitei o "rolo de colchonete" e pus ele em cima, e ele voltou a dormir. E o lugar em que ele estava deitado antes ainda está quentinho...