domingo, 10 de fevereiro de 2008

O real e o sonho




Caríssimo,
estou crente que, olhando bem de perto, todo sonho é mentira. Então, pode acontecer de nos convencermos e tomarmos como verdade certos sonhos que fizemos somente para nós mesmos. Sonhos unilaterais. Crenças malditas. Absinto. Ópio. Nó. Sonhos feitos de muitos ais, mas, nem por isso, ruins.
Não estou bem certo que sonho e felicidade estejam, necessariamente, ligados. Pode ser que a mentira promova um estado de felicidade tal que o real não possa nunca oferecer, porque o real nos cerca e nos oprime por todos os lados e estamos às voltas com ele, demasiadamente ocupados para sentir. Mas nem por isso há que se aderir ao sonho, escolhê-lo, abraçá-lo, fazê-lo nosso exílio, refúgio, país estrangeiro, porque o sonho é só sonho, se esvai. E nisso consiste todo o seu mérito. Haveremos apenas de contemplá-lo.
O real, este se vive todos os dias e talvez nos caiba aprender a conviver com ele. Ele é ruim? Ele é bom? Precisa ser ruim ou bom? Não basta apenas ser real, a única coisa palpável que nos é dada? Mas, e o sonho? É possível alcançar outros reais sem sonhar com eles? Os reais sonhados, planeados, são melhores que os reais simplesmente vividos?
Caríssimo, estou em dúvida se todo real é verdade. E não estou bem certo se real e sonho são de fato excludentes, porque não consigo enxergar a linha que os separa. Talvez o ato de escrever esta carta seja só um devaneio, um sonho, a imaginação de um velho que está sentado na frente de casa a olhar a rua vazia. Em alguma medida, ele é real, mas nós, caríssimo, somos nada. Uma lembrança, talvez.

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