quarta-feira, 21 de maio de 2008

Caminhos






Aonde me levais, caminhos?

Imaginei-vos claros, retos, objetivos.

Mas vejo-vos errantes e longos demais.

Aonde me levais?

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Amor essencial e amor contingente


Simone de Beauvoir e Jean Paul Sarte tinham um pacto. Viveriam um amor essencial, mas ambos estariam liberados para viver amores contingentes. Amaram-se um ao outro - e amaram muitos outros, também. Até que a morte os separou, como tinha que ser, para ser uma história de amor completinha. Parece-me que não deu tão certo assim, o tempo todo, entretanto. Ela sofreu de ciúmes, que ele tentava aplacar com zelo e muitos cuidados. Ele acompanhou as aventuras dela com um escritor americano, que a chamava de "minha esposa". Juntos, engajaram-se em lutas políticas, embora ela não fosse filiada a partido nenhum. No fim de tudo, ela descreveu em livro a decadência da saúde do filósofo. Uns dizem que por vingança, outros por lealdade ao pacto de sinceridade assinado na juventude entre os dois.
Penso que amores muito intelectualizados, muito abertos, tendem a não dar muito certo. Amor é instinto, é cheiro, é carne, é vontade, é pungente, essencial e contingente ao mesmo tempo, nunca inteligente, nunca pensante. Cupido era um arteiro (e arqueiro, obviamente). Na cama, não dá pra recitar Heiddeger. No máximo, lembrar de suas máximas sobre ser-no-mundo. Mas, entre gemidos e ais, sinceramente, acho que não dá, não... Creio que sejam mais satisfatórios amores sedentos de mãos espalmadas e beijos-de-revirar-o-ventre do que amores intelectualizados.
E sobre amores abertos a outras experiências... Não sei. Existe, claro, o medo da prisão. Mas, dependendo, às vezes, ela nem é tão ruim assim. Quando é opressora, de verdade, manda-se o outro ir passear; nunca se promete, ao contrário, fidelidade ao amor "essencial". Dividir o amor com outra pessoa não me parece ser uma situação muito confortável. Nem justa. Nem legítima. Tudo muito moderno, tudo muito bonito, tudo muito inteligente e desprendido, mas o que funciona é a lei básica. Estou muito errada?

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Eu queria ser mulherzinha


Eu fui criada para ser uma boa menina, mas me saí qualquer coisa diferente disso. Defeito de fabricação. Não fui uma boa menina e nem me tornei uma mulherzinha. Não sei arrumar minha casa. Laila veio ajeitar tudo enquanto eu estava fora e agora eu olho minha casa e não entendo como ela de repente se tornou tão.... feminina. Era para ser uma casa barroca, mas hoje eu cheguei e a casa é a casa de uma mulherzinha, que não sou eu...

A mulherzinha borda, faz combinações, e é tão boa em decorar quanto é de fazer biquinho: ela sabe fazer seu "sim" parecer "não" e seu "não" parecer "sim". A mulherzinha é charmosa. A mulherzinha usa robe floral e muitos vestidos. A mulherzinha tem tempo para tudo. Não que seja uma desocupada, mas ela sabe conciliar e transformar uma hora em mil dias. E sabe distribuir sorrisos e é sempre muito bem resolvida. A mulherzinha é amada.

Meus livros, agora arrumados na prateleira, sempre misturaram-se numa algazarra sem ordem alfabética. Eu não tenho tapetes em casa. Não sei me comportar num primeiro encontro a ponto de garantir um segundo. Tenho um mestrado que talvez eu trocasse por dois filhos lindos. Não uso pulseira nem tenho tatuagem de florzinha no pé. Consegui emagrecer quatro quilos, mas não uso minissaia. Os dias terríveis são apaziguados com incenso, reza e alprazolam. Sou claustrofóbica. A maquiagem dos meus olhos sempre borra após duas horas de uso. Mesmo à prova d'água.

Hoje eu sinto que não tenho virtude alguma, porque não sou mulherzinha. De nada adianta lecionar filosofia, ter pernas bonitas, dirigir, morar sozinha, ter publicação internacional. As mulherzinhas são amáveis, no sentido de que "são passíveis de serem amadas". E por isso são mais felizes que o resto de nós, sem ao menos terem que saber falar francês, inglês e espanhol com fluência. Elas aceitam o amor do jeito que ele lhe vem. E, lógico, o amor não chega para a mulherzinha de qualquer jeito: para ela, ele já chega pronto, nem dá trabalho, porque é perfeito como a unha-à-francesa que ela usa todo dia e que não descasca após o banho. A mulherzinha sempre sabe o que fazer.

Amanhã vou tomar café no centro, depois de resolver o imposto de renda atrasado (mulherzinhas declaram?). Talvez troque as almofadas. Pensei em comprar uma poltrona de leitura e um xale para jogar sobre ela. Hidratar o cabelo, fazer unha, sombrancelha. Amanhã também tenho que lembrar de esquecer que comparações não fazem sentido. As mulherzinhas são mais felizes, e pronto.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Da solidão - Vinícius de Moraes


O poetinha ensina algo para nos tirar da visão de nós mesmos:

"...a maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre." (in Para viver um grande amor - crônicas e poemas)

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Retratação




Mas vinte vinhos não são capazes, hoje, de deixar-me melancólia. Ouvi no carro Maria Rita: "Me abraça e me aperta, me prende em suas pernas." Bom mesmo é estar nas mãos de outrem para partilhar com ele nossa humanidade.

Depois de vinte vinhos

Tenho aprendido que sou e não sou dona de mim. Aprendi a escolher, mas só diante das opções que me são dadas. (Ai, Marx, saia de perto de mim com os ecos do materialismo histórico. XÔÔÔ) As demais circunstâncias, tenho que construí-las, ou esperar que surjam. Nem tudo depende de nós. Estamos também nas mãos dos outros, à mercê de seus sentimentos, desejos e boa (ou má) vontade. A vida é uma alquimia. Sem receita.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Devir

Tudo é devir, dizem os pré-socráticos. Mas as tramas desse processo, que nunca se completa, nos aprisionam. Não somos, por isso, capazes de viver o que é, o agora, o que acontece. Somos angustiados. Nossa memória é curta. Nossas sensações, voláteis. Superficiais. Nem conseguem nos afetar senão de pronto. Queremos o que ainda não é a qualquer custo. Vivemos no futuro. Em função dele. Eu sou devir, mas quero o hoje. Quero tudo o que o hoje me oferece. Intensamente. Ninguém garante que o devir trará o Bem, mas eu confio que sim. Esperemos que sim, façamos o que nos cabe, mas não esqueçamos de mergulhar nessas horas que se esvazem. Quero cada minuto.